O bairro do Brás, situado na região central de São Paulo, nasceu como uma
região de chácaras, cresceu e se desenvolveu como bairro operário e
"pátria" dos imigrantes italianos, depois acolheu os migrantes
nordestinos, conheceu sua decadência e deterioração urbana e hoje é
conhecido como um dos principais centros do comércio popular na cidade,
destino diário de milhares de sacoleiros e sacoleiras de todo o Brasil.
A origem do Brás está ligada à figura do português José Brás. Diz a história que José Brás, proprietário de uma chácara na região, teria construído a igreja do Senhor Bom Jesus de Matosinhos, ao redor da qual desenvolveu-se um povoado que daria origem ao bairro do Brás.
A
região era conhecida como paragem do Brás, pois servia de parada para
os que se dirigiam da freguesia da Sé à freguesia de Nossa Senhora da
Penha, onde já existia um povoamento desde o século 17. Esse caminho de
1,5 léguas, conhecido como estrada da Penha, compreende hoje as avenidas
Rangel Pestana e Celso Garcia. Pelos registros históricos, havia, pelo
menos desde 1744, procissões que conduziam a imagem de Nossa Senhora da
Penha de França da igreja da Penha até a igreja da Sé, no centro, usando
a estrada da Penha. Com a sua construção, a igreja do Senhor Bom Jesus
de Matosinhos, na paragem do Brás, passou a ser ponto de parada
obrigatória dessas procissões, o que contribuiu para o desenvolvimento
da região.
Então, em 8 de junho de 1818, o Brás foi alçado à categoria de freguesia e a igreja construída por José Brás tornou-se a sua matriz. Nascia assim o bairro do Brás. Mesmo assim, o Brás era um bairro despovoado, com imensas áreas vazias e com fortes características rurais, com suas chácaras e atividades agrícolas. As inundações do rio Tamanduateí impediam um crescimento mais acelerado do bairro e o isolavam do centro da cidade. Em 1836, um recenseamento apontava que a população do bairro era de 659 habitantes. Um levantamento de 1865 totalizava 164 casas.
Brás: da fé ao café, do desenvolvimento à degradação
Um dos bairros mais tradicionais de São Paulo se desenvolveu depois da
chegada dos imigrantes a São Paulo. Facilidade de transportes foi
determinante, mas saída das indústrias deixou rastros de abandonos
A história do Brás é rica e envolve a fé, o trabalho, as culturas e os transportes.
Foi inicialmente pelos trilhos e depois pelas várias linhas de ônibus
que o bairro começou a engatar de vez em um ritmo de urbanização e
crescimento.
No ano de 1867, quando foi inaugurada a “Ingleza”, a linha da São Paulo
Railway, que liga Santos a Jundiaí, também começava a funcionar a
estação do Braz (com Z na época), pertencente à ligação. A linha,
idealizada pelo Barão de Mauá, Irineu Evangelista de Souza, foi criada
para escoar a produção do café. Mas acabou servindo muito mais à
urbanização e à indústria que aos poucos dava sinais na cidade de São
Paulo, que ainda não mostrava aspirações para ser metrópole.
No caso específico da Estação do Brás, além do movimento natural de atração de empreendimentos e os primeiros adensamentos urbanos, característico a quase todas estações de trem, havia um outro fato: o encontro de culturas.
Muitos imigrantes vieram ao Brasil nesta época para trabalharem nas
lavouras do Café. Quando desembarcavam dos navios, após meses de viagem,
no Porto de Santos seguiam para a Capital, onde eram recrutados para as
lavouras no interior.
O ponto de parada destes imigrantes, principalmente italianos, era o Brás, onde havia a Hospedaria dos Imigrantes.
Para muitos, era esta hospedaria o início de uma nova vida.
A Hospedaria dos Imigrantes do Brás foi fundada em 1887 pela Sociedade
Promotora de Imigração, pertencente a associações de cafeicultores
paulistas, que precisavam de mão de obra para as lavouras.
Os movimentos anti-escravidão se tornavam cada vez maiores e culminaram na abolição da escravatura em 13 de maio de 1888.
Os cafeicultores, antes mesmo da Lei Áurea, já viam a necessidade de
encontrar outro tipo de mão de obra em seus negócios. Além disso, as
plantações e vendas de café cresciam e apenas a mão de obra dos negros
já não era mais suficiente.
Desembarque de Europeus na Hospedaria de Imigrantes em São Paulo |
De 1887 a 1920, a Hospedaria dos Imigrantes foi responsável por vender o
sonho das Américas a mais de 3 milhões de pessoas nascidas em outros
países, de cerca de 60 nacionalidades diferentes.
Para muitos era um sonho apenas, pois quando iam para lavoura,
encontravam uma condição de trabalho difícil, poucos direitos e
exploração. Muitos tinham de comprar, por exemplo, seus alimentos nos
próprios armazéns das fazendas, cujos preços eram abusivos.
Mas esta população não se intimidava e mesmo não tendo o sonho das
Américas realizado, conseguiam construir suas vidas e seus futuros com
muito sacrifício.
Ocorre que muitos imigrantes, apesar de virem inicialmente para
trabalhar com o café, ficavam pela Capital mesmo, no próprio bairro do
Brás, onde trabalhavam e formavam pequenas indústrias e negócios às
margens das linhas dos trens.
Linhas no plural. Porque além da Ingleza, havia a Estrada de Ferro Central do Brasil.
A estação da Central do Brasil no Brás era a Estação Roosevelt. Ela foi
fundada em 1875, ao lado da Estação Braz da São Paulo Railway.
Inicialmente pertencia a Estrada de Ferro do Norte (ou Estrada de Ferro
Rio – São Paulo), linha construída em 1869 por fazendeiros do Vale do
Paraíba. Na verdade, esta estação pertencia a um ramal que em Cachoeira
Paulista se encontrava com a Estrada de Ferro Dom Pedro II, que partia
do Rio de Janeiro e chegava a Cachoeira Paulista. A Estrada de Ferro Dom
Pedro II foi inaugurada pelo governo imperial em 1855. Foi chamada
assim até a queda da monarquia em 1889, quando passou a ser denominada
Estrada de Ferro Central do Brasil.
Assim, a estação Roosevelt, antes chamada estação Norte, era o início da
viagem ferroviária até o Rio de Janeiro. O nome Roosevelt foi adotado
em 1945.
Hoje Roosevelt e Braz formam a mesma estação, mas antigamente, apesar de
as linhas da Central e da Ingleza se encontrarem no bairro do Brás,
eram duas edificações diferentes. A entrada principal da Roosevelt era
na área hoje correspondente ao Largo da Concórdia e a entrada da Ingleza
era na área hoje que abrange o acesso para o Metrô Brás.
Muito mais que encontro das duas mais importantes ferrovias do Brasil, o Brás marcou o encontro de diversas culturas ao longo da história. E onde há povo, há necessidade de transportes.
Muito mais que encontro das duas mais importantes ferrovias do Brasil, o Brás marcou o encontro de diversas culturas ao longo da história. E onde há povo, há necessidade de transportes.
Os antigos moradores dos arredores das duas estações do Brás, se é que
podemos falar assim, aprendiam com a garra e a vontade de crescer e
prosperar dos imigrantes. E os imigrantes aprendiam com os mais antigos
da região, os hábitos, costumes da São Paulo do século XIX e com o
estilo de vida batalhador mas compassado que valorizava um viver
simples, a família e a fé.
Aliás, foi pela presença da religião que o Brás, antes mesmo de engatar
de vez para o progresso, começou a ensaiar as primeiras habitações com
características urbanas, para a época.
Há várias explicações para o nome Brás, no bairro.
Alguns memorialistas dizem que Brás Cubas tinha passado pela região do bairro e fundou uma vila.
Outros dizem que no local havia uma chácara pertencente a um filho da
Marquesa de Santos, cujo primeiro nome era Brasílico e o apelido era
Brás.
Mas a versão mais aceita e provável, inclusive registrada em documentos
como atas da Câmara Municipal de São Paulo, é de que a região
correspondente ao bairro era ocupada por uma chácara de um benemérito da
época, chamado José Braz.
Neste terreno foi erguida no início do século 19 uma capela em homenagem ao Senhor Bom Jesus de Matosinho.
As referências sobre a presença de José Braz na região são encontradas em petições à Câmara Municipal de São Paulo de 1769.
A capela começou a atrair moradias para perto assim como estabelecimentos comerciais.
A chácara do Braz era bem localizada, mesmo antes da existência da
ferrovia. Ao lado dela, outras chácaras se destacavam, como a do
engenheiro Carlos Bresser e a chácara do Ferrão, pertencente a Marquesa
de Santos.
Ao lado da chácara do Braz passava uma estrada que dava acesso a região correspondente a Penha.
Essa estrada era conhecida inicialmente como Caminho do José Braz.
Depois foi denominada de Rua do Brás até se tornar na Avenida Rangel
Pestana.
O Caminho de José Braz era utilizado por tropeiros e vendedores andantes.
Assim, já representava um desenvolvimento econômico para a região.
Mas a formação com característica urbana, contando inclusive com as
primeiras fábricas da região, se deu com a instalação das ferrovias e a
conseqüente chegada dos imigrantes para a hospedaria, em especial dos
italianos.
No início, a maioria se deslocava mesmo para as lavouras de café. Mas
logo as condições precárias de trabalho e a exploração da mão de obra
nas plantações se tornavam conhecidas e vários imigrantes preferiam
batalhar na capital paulista. Boa parte venceu.
Eles traziam a cultura urbana e econômica de manufatura da Europa, onde a Revolução Industrial já tinha se alastrado.
Essa cultura com a dos moradores locais deu uma característica única o bairro do Brás.
Era como se o local fosse um pedacinho da Europa, em especial, da Itália, mas com vários brasileiros.
No final do século XIX e início do século XX não é exagero dizer que no Brás se falavam dois idiomas: italiano e português.
Havia uma rivalidade entre os moços brasileiros e italianos pelas jovens.
Em registros antigos sobre a história do Brás foi encontrada a letra de
uma espécie de marchinha cantada por nacionalistas brasileiros:
Carcamano, pé de chumbo,
Calcanhar de frigideira.
Quem te deu atrevimento
De casar com brasileira?
A história do Brás reflete muito da memória dos transportes brasileiros.
Além das ferrovias São Paulo Railway e Estrada de Ferro Central do
Brasil, foi no Brás que circulou o embrião da indústria de carrocerias
de ônibus nacional, uma das mais respeitadas do mundo.
A Irmãos Grassi, a primeira encarroçadora de ônibus no Brasil, antes
mesmo de produzir seus ônibus em linha, construiu em 1910 uma carroceria
de ônibus sobre chassi francês De Dion Bouton, com as laterais abertas e
bancos transversais, com capacidade para transportar 45 passageiros
sentados. O ônibus servia para transportar passageiros até a Hospedaria
dos Imigrantes.
Paralelamente ao mundo ítalo-brasileiro do Brás a cidade se desenvolvia.
As fábricas dos italianos, as estações de trem que serviam a Capital e a
região do ABC e a mentalidade urbana traziam mais pessoas para São
Paulo.
Os terrenos perto das estações já não davam conta de tanta gente e negócios.
Um dado do Brás para comprovar isso.
Em 1886, no início da imigração mais intensa, o Brás tinha 6 mil habitantes.
Sete anos depois, já contava com 30 mil pessoas.
Pela procura maior e também pela infraestrutura melhor, os terrenos no Brás e próximos a estações se tornavam mais caros.
O grande número de pessoas dos outros estados que vinham para São Paulo
tinham, como alternativa, morar em locais mais distantes e baratos.
Mesmo assim, havia ainda espaço no coração do Brás e nas imediações.
Nos anos de 1940, o Nordeste Brasileiro foi atingido por uma enorme seca e muitos habitantes da região vieram para São Paulo e se estabeleceram na região do Brás.
Em 1952, outra seca também incentivou a vinda de mais nordestinos para a
região. Nesta época, por dia chegavam mais de 1100 nordestinos pela
Estação Rossevelt da Central do Brasil.
O bairro deixava de ser tipicamente italiano e começou a ser marcado pela cultura nordestina que hoje predomina no Brás.
O bairro era local de moradias e negócios e reunia boa parte das oportunidades de emprego na cidade.
Vários bairros mais distantes já tinham se estabelecido, mesmo sem a estrutura do Brás.
Os moradores destes locais tinham o Brás e o centro da cidade como destino.
Os trilhos dos bondes não tinham condições de chegar a todos estes novos loteamentos que eram formados dia a após dia.
Não havia condições financeiras e também físicas, já que muitos destes
bairros novos ficavam em locais de difícil acesso que não poderiam ser
atendidos pelos trilhos.
Visando uma nova alternativa no transporte, em 1920 chegaram em São Paulo (importados da Europa) o auto-ônibus |
Surgiam já nos anos de 1920 as primeiras linhas de ônibus, jardineiras, veículos rústicos de madeira feitos sobre chassis de caminhão, que enfrentavam ruas de difícil acesso, atoleiros, lama, subidas, descidas.
O Brás foi um dos primeiros destinos destes veículos.
Normalmente eram dirigidos pelos próprios donos, que também cobravam as
passagens, limpavam e consertavam (trabalho diário, já que pelas más
condições de vias, as jardineiras quebravam quase todos os dias).
Alguns destes investidores de transportes desistiam pelas dificuldades,
outros, apesar do cansaço, não se entregaram e nos anos de 1940, as
primeiras empresas de ônibus profissionais já demonstravam que o setor
de transportes coletivos seria grande.
E o Brás era o caminho de muitas destas empresas. Ao longo do tempo,
foram inúmeras que passaram pelo até então simpático bairro que era um
dos principais acessos para o centro e para a crescente zona Leste.
Entre tantas podem ser citadas a Empresa Auto Ônibus Alto do Pari,
Empresa Auto ônibus Penha São Miguel, Empresa Auto Ônibus Mogi das
Cruzes, Viação Santo Estevam, CMTC – Companhia Municipal de Transportes
Coletivos, criada em 1946 e que começou a operar em 1947 o sistema de
ônibus para organizá-lo, e tantas outras.
Muitos destes veículos cruzaram a famosa Porteira do Brás.
O objetivo era evitar acidentes envolvendo os trens. A porteira funcionou até 23 de maio de 1967.
No ano de 1968, o viaduto Nalberto Marino foi construído permitindo
melhor fluidez do trânsito, que já era complicado em São Paulo, das
Avenidas Rangel Pestana e Celso Garcia.
Quando a porteira fechava, as filhas de carros, ônibus e caminhões eram imensas.
A primeira foto da matéria foi tirada entre os anos de 1940 e 1950.
O pesquisador Carlos Coelho explica a imagem:
“Quando da construção do viaduto sobre a Rangel Pestana, os acesso e a
travessia da linha férrea foram fechados,existe passarela para pedestres
para cruzar a ferrovia. Do Largo da Concórdia não existe passarela para
atingir a estação da CPTM. Poucos acidentes ocorreram nesta porteira,
pois os trens da SPR (São Paulo Railway-depois Santos a Jundiaí)
estavam chegando ou partindo. Em outras porteiras os acidentes eram
frequentes, sendo os maiores aqueles das travessias da Central do Brasil
em que não existia barreiras para impedir o trafego. Na foto, 1948/50,
vê-se perfeitamente tal situação.
O ônibus Grassi-Volvo é de empresa particular, e ao fundo vê-se diversos
caminhões utilizados para o transporte de passageiros, devido a falta
de ônibus.”
A segunda foto já é dos anos de 1960 e mostra dois ônibus esperando
passagem do trem na Porteira do Brás. Os veículos são um Caio da Empresa
Auto ônibus Alto do Pari e um Monika (kit da Metropolitana) fabricado e
operado pela CMTC, Companhia Municipal de Transportes Coletivos.
A porteira do Brás, que era sinônimo de segurança e do desenvolvimento
trazido pelos trens, acabou depois vista como um dos entraves à
necessidade de o paulistano se deslocar pelo Brás, No tumultuado
trânsito dos anos de 1960, quando ela se fechava provocava filas enormes
nas Avenidas Celso Garcia e Rangel Pestana. Em 1968 foi construído do
Viaduto Nalberto Marinho. Na foto, é possível ver como o trânsitp e o
setor de transportes cresceram, com várias empresas e modelos de ônibus
ligando o Brás a várias regiões e municípios. Foto: Acervo Moacir
Vitorino.
A última foto é explicada por Carlos Coelho também e já se trata do viaduto no mesmo ano de sua construção, em 1968.
A última foto é explicada por Carlos Coelho também e já se trata do viaduto no mesmo ano de sua construção, em 1968.
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